terça-feira, 2 de julho de 2013

Vasco 1944-52, o Expresso da Vitória

Após um período sem troféus no final da década de 30 e no início da década de 40, o Vasco da Gama, sob a administração de Cyro Aranha, começou a montar um time forte para dar fim ao pequeno jejum. O resultado foi o maior equadrão da história da Equipe da Colina, provavelmente o maior do futebol brasileiro na era pré-Pelé, o famoso Expresso da Vitória, nosso assunto de hoje.

  

Principais Jogadores


Antes do sucesso, foram necessárias muitas contratações para montar esse grande time.  Em 1942 veio Ademir de Menezes, o maior jogador dessa equipe; em 43 os três patetas, como eram conhecidos Lelé, Jair e Isaias, além de Chico e Friaça; em 44 Ipojucan, até que nesse ano a equipe Vascaína conquistou seus primeiros títulos. A diretoria cruzmaltinha não se acomodou, pelo contrário, continuou fazendo boas contratações, que deixaram a equipe cada vez mais forte, chegando ao ponto de oito jogadores da seleção brasileira na Copa de 50, seis dos quais titulares, atuarem pelo Vasco.  Abaixo falamos brevemente sobre alguns dos principais jogadores do Expresso da Vitória.

Ademir de Menezes: O "queixada", como era conhecido, veio para o clube proveniente do Sport Recife. Devido a sua velocidade e precisão no chute com ambas as pernas, era um pesadelo para zagueiros e goleiros adversários. Foi o artilheiro da Copa do Mundo de 1950 com 9 gols (algumas fontes indicam 8). Além de ganhar muitos títulos com o Expresso, teve uma breve passagem pelo Fluminense em 1946 e 47, ganhando o Carioca também com a equipe tricolor. Em 1956 voltou para o Sport, saindo do Vasco como o maior artilheiro do clube até então, tendo anotado 301 gols, superado décadas depois por Roberto Dinamite.

Barbosa: O goleiro Moacir Barbosa veio para o Vasco do Ypiranga, de São Paulo, pois este clube se recusava a vendê-lo para algum rival local, a fim de não ter que jogar contra ele. Apesar de ter apenas 1,74m, foi um dos melhores goleiros do Brasil em todos os tempos. Infelizmente teve a sua carreira marcada por sofrer o gol de Ghiggia na Copa de 50, e acabou sendo considerado o culpado pela derrota do Brasil. Chegou ao Expresso em 45, e em 46 já era titular. Segue um trecho de Armando Nogueira a respeito deste grande goleiro. "Certamente, a criatura mais injustiçada na história do futebol brasileiro. Era um goleiro magistral. Fazia milagres, desviando de mão trocada bolas envenenadas. O gol de Ghiggia, na final da Copa de 50, caiu-lhe como uma maldição. E quanto mais vejo o lance, mais o absolvo. Aquele jogo o Brasil perdeu na véspera."

Augusto: Se o Brasil não tivesse perdido para o Uruguai naquele fatídico jogo, seria o zagueiro Augusto que levantaria a taça de Campeão do Mundo. Rápido e bom marcador, foi capitão também no Vasco, conseguindo a vaga na seleção em 1947, dois anos depois de chegar ao Expresso.

Lelé: Dos três patetas foi o que jogou durante mais tempo no Expresso, ficando de 43 a 48. Possuia um forte chute, que lhe rendeu o apelido "Canhão da Colina" com a perna direita, e assim marcou 147 gols pelo Vasco, 13 no Carioca de 1945, em que foi artilheiro. Sua popularidade era tão grande que ele foi homenageado por uma marchinha de carnaval em 46, que continha os dizeres:

Vamos lá!
Que hoje é de graça
No boteco do José
Entra homem, entra menino
Entra velho, entra mulher
É só dizer que é vascaíno
E amigo do Lelé

Danilo Alvim: O volante Danilo Alvim foi mais um jogador do Expresso titular na Copa de 1950. Por seu estilo refinado de jogo recebeu o apelido de "Príncipe", tendo jogado pelo Vasco entre 1946 e 54, quando saiu para o Botafogo.

Chico: O ponta esquerda Chico jogou no Vasco entre 42 e 54, sendo também titular na Copa de 50, na qual marcou 4 gols. Destacava-se principlamente pela habilidade e velocidade com que jogava, além de finalizações e cruzamentos precisos.

Ipojucan: Embora fosse bastante alto, medindo 1,90m, Ipojucan era um meia habilidoso, que gostava de fazer malabarismos com a bola. Autor de 225 gols pelo Vasco, onde jogou entre 1944 e 1954, é, ainda hoje, o quinto maior artilheiro do clube. Foi pré-selecionado para a Copa de 50, mas acabou cortado.

Friaça: O ponta Friaça teve duas passagens pelo Vasco, entre 1944 e 49 e entre 51 e 54. Na seleção, jogou a Copa de 1950 após o corte de Tesourinha, e marcou o gol que teria sido o tento do título se o Uruguai não tivesse virado o jogo.

Maneca: Jogou no Vasco entre 1947 e 55. Era meia, mas atuava também na ponta direita, como fez em alguns jogos da Copa de 50 (acabou ficando de fora da final por lesão). Tinha grande qualidade nos dribles curtos, tanto que chegou a aplicar uma caneta em Obdulio Varela, capitão da seleção uruguaia, em amistoso contra o Peñarol no ano de 1951.

Outros: O Expresso contou ainda com outros craques, que, incluindo nomes até tecnicamente melhores do que alguns dos jogadores citados anteriormente, mas que tiveram passagens mais curtas pela equipe vascaína. Como ficaria muito longo falar sobre todos eles, fica aqui a nota de que o Vasco entre 1944 e 52 contou ainda com jogadores como Jair,  titular do Brasil em 50, que a época já não era do Vasco, Tesourinha, cortado do mundial por contusão, e Heleno de Freitas, um dos maiores jogadores do Brasil em todos os tempos, além de Bellini (quem em 58 faria o que Augusto quase conseguiu 8 anos antes, ao levantar a taça da primeira Copa do Brasil).

Alguns craques do Expresso. Na primeira coluna, Ademir, com sua proeminente queixada, além de Barbosa; na segunda Danilo Alvim e Ipojucan; na terceira, Friaça, Heleno de Freitas e os "três patetas".

1944-50: O Auge

Já em 1943 o Vasco demonstrou força com uma boa campanha no Carioca, ficando a 4 pontos do campeão Flamengo (lembrando que na época a vitória valia 2 pontos). No ano seguinte, os primeiros títulos: o Torneio Municipal e o Torneio Relâmpago, que eram como preliminares do estadual. Apesar disso o Expresso acabaria perdendo este último campeonato para o rival Flamengo, após ser derrotado por este com um gol controverso marcado pelo ponta Valido (ainda hoje há quem discuta se esse gol deveria ou não ter valido).  Isso era apenas o presságio do que viria em seguida.

Em 1945 a linha de ataque vascaína, comandada por Lelé, produziu não menos do que 58 gols em 18 partidas para levar o Vasco ao título carioca invicto. A campanha dessa conquista incluiu 13 vitórias e 5 empates.

Em 1946 a direção vascaína acabou vendendo Ademir de Menezes ao rival Fluminense, e, em um torneio marcado pelo equilíbrio o tricolor acabou se sagrando campeão com 25 gols do Queixada, enquanto a Equipe da Colina teve de se contentar com o modesto quinto lugar. Após esse resultado o Expresso mudou de "maquinista", trazendo o técnico Flávio costa, que anos antes havia vencido três cariocas em série com o Flamengo.

Os resultados com o novo comandante foram incríveis: o Vasco ganhou mais um Carioca invicto, dessa vez com 17 vitórias, 3 empates e 68 gols marcados. Essa conquista rendeu ao Expresso a vaga no torneio de maior importância histórica que essa equipe venceria: O Campeonato Sul-Americano de Campeões.

A competição organizada pelo Colo-Colo em 48, reunia campeões nacionais de diversos países, tendo o Vasco sido chamado por ganhar "o campeonato mais famoso do Brasil". Entre as equipes participantes destacam-se o River Plate, que contava com craques como Di Stéfano, além do Nacional e do Colo-Colo, campeões em seus respectivos países, sem falar no Vasco, que faturou o troféu.

O Expresso chegou à competição no seu melhor momento até então. Contava novamente com Ademir de Menezes, que havia regressado ao clube. Além disso, o técnico Flávio Costa havia implantado a importante alteração tática que ele mesmo chamou "Diagonal", formação precurssora do 4-2-4, que era um 3-2-2-3 (3 zagueiros, 2 jogadores de meio, 2 atacantes mais recuados (um deles ligeiramente mais adiantado, posição na qual o Queixada foi colocado, para tirar proveito de sua velocidade e boa finalização) e 3 outros atacantes mais adiantados. Tal formação representou uma importante atualização no futebol brasileiro, que era atrasado nesse aspecto, sendo essa uma das razões pela qual o Brasil já não vencia nenhum torneio desde 1922.

O Vasco iniciou a competição com duas vitórias; 2 a 1 no Litoral (time boliviano) e 4 a 1 no forte Nacional. Todavia Ademir fraturou seu tornozelo no segundo jogo, razão pela qual perdeu o restante da competição. Mesmo sem contar com sua principal estrela no ataque, a equipe cruzmaltina se manteve invicta na competição, com mais duas vitórias e um empate. Dessa forma o Expresso chegou na última rodada um ponto a frente de "La Maquina", como era chamado o River Plate, e a tabela colocava os dois times frente a frente para decidir o torneio.

Vasco e River Plate fizeram uma grande partida, com boas oportunidades de gol para os dois lados, mas os goleiros impediram que o placar mudasse. O jogo complicou para a equipe brasileira quando a arbitragem marcou um penalti para os argentinos. Labruna cobrou rasteiro e Barbosa defendeu. O placar continuou zerado até o fim do primeiro tempo.

A etapa complementar também foi aberta, e Chico marcou o gol do Vasco, mas a arbitragem anulou alegando impedimento. A partida começou a se direcionar a favor do River, quando Maneca e Wilson, que estavam sendo importantes ao ajudar a marcar o jovem Di Stéfano, deixaram o campo contudidos e Chico foi expulso, junto ao adversário Mendez.

Sentindo que o adversário estava enfraquecido, "La Maquina" se pôs a funcionar, e o Expresso foi pressionado, mas lá atrás estava Barbosa. O goleiro, que havia sofrido apenas três gols ao longo do torneio, frustrou a linha de ataque formada por Di Stéfano, Ferrari, Moreno e Muñoz, e a partida terminou mesmo sem gols. Anos depois esse torneio vencido pelo Vasco daria origem a UEFA Champions League, e em seguida à Copa Libertadores da América.

De volta ao Brasil, o Expresso fez mais uma campanha incrível no Campeonato Carioca, chegando a última rodada com 17 vitórias e duas derrotas, mas "saiu do trilho", contra o Botafogo, sendo derrotado por 3 a 1. Esse resultado levou o Vasco a perder o título Carioca para o clube da estrela solitária, mas deve ter sido um estímulo para a diretoria, porque após isso foram contratados Heleno de Freitas e Tesourinha a equipe formaria sua linha de ataque mais forte para a temporada seguinte.

E com esse time o Vasco conseguiu em 1949 nada menos que a melhor campanha do Expresso no Carioca do ano seguinte, com 18 vitórias, 2 empates, 84 gols marcados e mais um título de forma invicta, numa campanha que incluiu um 5 a 2 contra o Flamengo, depois de estar perdendo por 2 a 0 para o rival. A equipe naquele ano daria ainda mostras de sua força naquele ano ao vencer o Arsenal, que havia sido campeão inglês em 48 e fazia uma excursão ao Brasil em 49 (e já havia vencido o Corinthians e um combinado de Botafogo e Fluminense).

Tudo isso fez com que o Vasco chegasse a Copa de 1950 com o posto de melhor equipe do país, e, naturalmente a base da seleção brasileira na competição (tentando repetir o sucesso da Copa América no ano anterior). Todavia é preciso dizer que a escolha de Flávio Costa para o torneio contribuiu para que a predominância de jogadores que atuavam ou tinham jogado no Expresso fosse ainda maior, pois ele negligenciou muitos grandes jogadores que atuavam, por exemplo, no estado de São Paulo.

 A Copa de 50 e o Maracanaço


Apesar da convocação ter sido, até certo ponto, bairrista, o futebol carioca era tão forte que mesmo sem contar com alguns jogadores que poderiam ter sido muito úteis de outros estados, a seleção brasileira fez uma campanha incrível. Na primeira fase a seleção marcou 8 gols e sofreu apenas 2, conseguindo a vaga para o quadrangular final.

Na segunda fase o Brasil atropelou a Espanha e a Suécia, goelando por 6 a 1 e 7 a 1, respectivamente. Naturalmente essa situação gerou uma grande onda de otimismo em torno da seleção, afinal bastava um empate contra o Uruguai (que havia ganhado no sufoco da Suécia e empatado com a Espanha). No entanto todos passaram da conta na empolgação.

Veja os gols da Vitória do Brasil contra a Suécia. Ademir fez 4.

Aqui os gols na vitória contra a Espanha.

Foi feita uma música para comemorar a conquista do Brasil, além disso os jornais estampavam fotos da equipe brasileira aclamando-a como campeã, e até as medalhas de ouro haviam sido feitas com os nomes dos jogadores da seleção canarinho impressos. Como ocorreu em outros momentos na história do futebol, esse clima de "já ganhou", só produziu duas coisas: motivação para o Uruguai e "salto alto" para o Brasil (sim, porque era impossível que os jogadores não se contagiassem, ainda que incoscientemente, com todo aquele otimismo exagerado).

Esperando ver mais um show da seleção brasileira, um público estimado em mais de 200000 torcedores (cerca de 173850 pagantes) foi ao Maracanã, mas já dava para notar que algo era diferente naquela partida: o primeiro tempo terminou sem gols. Apesar disso, pareceu durante alguns momentos que as expectativas populares iam se realizar, pois, aos dois minutos da segunda etapa, Friaça abriu o placar.

O capitão uruguaio, Obdulio Varela, que realmente mostrou ser um grande líder, passou mais de um minuto reclamando de impedimento no gol brasileiro, o que serviu para "esfriar" o jogo e a multidão (posteriormente ele mesmo confirmaria que esse havia sido seu objetivo). O Brasil diminuiu o ritmo e o Uruguai cresceu. Aos 21 minutos, Ghiggia veio pela ponta direita e passou para Schiaffino empatar.

Era apenas o começo do pesadelo: 13 minutos depois do primeiro gol, Ghiggia novamente conseguiu escapar pela direita, e chutou. A bola foi entre Barbosa, que havia se posicionado esperando um cruzamento, e a trave, da qual o goleiro brasileiro havia se afastado.

Ademir ainda teria uma chance para empatar, mas Roque Máspoli defendeu, o jogo acabou 2 a 1. Foi a maior derrota do esporte brasileiro em todos os tempos.

Breve vídeo falando sobre o Maracanazo

1950-52: O Fim do Expresso


Após a Copa do Mundo de 1950 o Vasco sofreu um grande desgaste psicológico, afinal era a base da seleção. Apesar disso o time se manteve competitivo nos meses subsequentes ao Maracanaço. Mais uma vez o Expresso da Vitória venceu, com mais uma campanha brilhante, o Campeonato Carioca: 17 vitórias e 3 derrotas, marcando 74 gols e tomando apenas 21.

Já no ano de 1951 o Vasco teve a oportunidade de se "vingar" de muitos jogadores que atuaram no Maracanaço, ao vencer por 3 a 0 um amistoso com o Peñarol, base da seleção uruguaia, gols de Friaça, Ademir e Ipojucan . Duas semanas depois as equipes voltaram a se enfrentar, com nova vitória cruzmaltina, dessa vez por 2 a 0. Ainda naquele ano o Expresso também derrotaria o Nacional, que praticamente completava a equipe Celeste, por 2 a 1. A ocasião era a Copa Rio Intercontinental, e com esse triunfo o Vasco chegou a 20 partidas internacionais sem perder.

Todavia a equipe já dava sinais de enfraquecimento no ano de 1951, realizando campanhas relativamente ruins no Torneio Rio-São Paulo e no Carioca. Por essa razão o Expresso da Vitória chegaria a temporada seguinte desacreditadao, tido como um time envelhecido.

O Expresso começou a mostrar que ainda tinha forças e era uma das melhores equipes do país no Torneio Rio-São Paulo de 1952, fazendo uma grande campanha, mas acabaria perdendo o título para a Portuguesa. A equipe ensaiava seu último acorde: no Campeonato Carioca daquele o Vasco fez uma excelente campanha, como nos tempos em que o time estava no auge: campeão com uma rodada de antecedência com 17 vitórias, 2 empates e 1 derrota.

O Carioca de 1952 marcou o último título da equipe considerada até hoje a maior da história do Vasco, e uma das maiores do Brasil. Após isso o time foi renovado, dando oportunidade a alguns jogadores mais jovens, que formariam também um grupo forte.

O Expresso em Números


Organizamos uma tabela com estatísticas do Expresso da Vitória nas principais competições que a equipe disputou. Não foi possível fazer um levantamento abrangente e preciso sobre os amistosos; além disso, cabe a ressalva que torneios como "Início do Campeonato Carioca" foram desconsiderados, uma vez que as partidas tinham durações reduzida. Todos os números apresentados foram conferidos várias vezes em fontes diferentes, mas, caso ainda exista algum erro, peço desculpas.

Preliminares incluem os Torneios Municipal e Relâmpago; Internacionais, que foram colocados juntos do Rio São-Paulo incluem o Sul-Americano de 48 e a Copa Rio de 51.


Analisando essa tabela temos evidências de quão genial essa equipe era: o percentual de vitóras supera 68,6%.  A média de gols marcados por partida é de quase 2,91; a de sofridos ultrapassa por pouco 1,31 (pode não parecer tão bom hoje, mas considerando a época é impressionante), tudo isso em um espaço de 8 anos. 

Olhando apenas para os anos de 1949 e 1950, que foram os melhores do Expresso, vemos que nesse período o percentual de vitórias beira 83%, enquanto o de derrotas mal passa de 8,5%. Combinando esses dados com a média de 3,75 gols marcados por partida contra 1,21 sofridos, e mais os títulos conquistados, vemos que não seria nenhum disparate pensar nessa equipe como a mais forte da história do Brasil, embora eu não ache que seja. De qualquer maneira, é indiscutível que foi  um excepcional esquadrão.

A Equipe do Vasco, campeão em 1949. Foi a melhor campanha do Expresso.



Curta nossa página no Facebook. Para acessá-la clique AQUI.





Um comentário: